Militares acusados de sequestro são presos após 44 anos
Um dos mais famosos crimes cometidos durante ditaduras militares no sul da América teve um capítulo importante nesta semana, com a prisão de dois coronéis, hoje reformados, do Exército uruguaio. Ambos estão envolvidos no sequestro dos funcionários públicos uruguaios Lilian Celiberti e Universindo Diaz, que ocorreu em Porto Alegre, em novembro de 1978.
Os oficiais uruguaios Carlos Alberto Rossel Argimón e Glauco Yanone foram presos na quarta- feira por determinação da juíza penal do 27º turno de Montevidéu, Sílvia Urioste. É uma prisão para preservar as garantias do processo judicial, algo equivalente no Brasil a uma prisão preventiva.
Lilian e Universindo estavam refugiados na capital gaúcha na época em que Brasil e Uruguai estavam sob ditaduras. Uma equipe do Exército uruguaio (da Companhia de Contra- Informações, um organismo de espionagem) se deslocou desde Montevidéu a Porto Alegre, onde localizou e prendeu os dois, militantes do Partido por la Victória del Pueblo (PVP), de esquerda e opositor ao regime ditatorial.
Foram levados também os filhos de Lilian, Camilo, sete anos, e Francisca, três. A captura fazia parte da Operação Condor, pela qual aparelhos de repressão de ditaduras latino-americanas colaboravam na repressão e morte de opositores.
A ação contou com colaboração de policiais civis gaúchos. Os sequestrados foram levados até uma prisão uruguaia. Só sobreviveram porque a operação irregular foi testemunhada e denunciada por dois jornalistas porto-alegrenses. As crianças foram entregues a avós maternos, 18 dias depois.
Lilian e Universindo - que não eram um casal, apenas companheiros de partido - permaneceram cinco anos encarcerados num presídio em Montevidéu. Foram libertados em novembro de 1983, graças à pressão de organizações como o Movimento de Justiça e Direitos Humanos do RS (MJDH- RS). O presidente desta entidade, Jair Krischke, lembra que esteve diversas vezes no Uruguai, em visita aos dois sequestrados.
- Ingressamos com ação judicial contra os sequestradores. Lilian e Universindo saíram da cadeia e uma das primeiras providências foi denunciar os seus sequestradores, em audiência judicial. Um gesto de extrema coragem - relata Krischke.
Justiça
A ação judicial que resultou, agora, na prisão dos dois coronéis, foi aberta em 1984. Não prescreveu porque, no Uruguai, "crimes contra a humanidade" são considerados imprescritíveis, salienta Krischke. Universindo morreu em 2012, sem ver seus sequestradores presos. Os militares foram denunciados em 2018 por quatro delitos: privação de liberdade, por motivos extra- legais, e por abusos físicos.
Outros dois militares uruguaios também são réus no mesmo caso: o coronel Eduardo Ferro e o capitão José Bassani. Ferro já está preso por envolvimento em outro sequestro de opositores à ditadura. Foi capturado na Espanha, em 2021. Bassani responde em liberdade.
A revelação dos nomes dos envolvidos foi feita pelo MJDH a partir do depoimento de um "arrependido": o soldado Hugo García Rivas. Ele está asilado politicamente na Noruega. A sentença sobre o caso ainda não tem data para sair.
humberto.trezzi@zerohora.com.br
Comentários
Postar um comentário